Andrea Pozzo,
Apoteose de S. Inácio de Loyola, (Trompe l'oeil),
Roma
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BARROCO
A Europa estava a mudar e
com o aparecimento de novos pólos económicos gerou, inevitavelmente, uma grande
variedade de abordagens estilísticas, que foram englobadas sob a denominação
genérica de "arte barroca". “Barroco” ou “Barrocos” é questão mais
premente a todos os historiadores de arte. Porém, se a abordagem ao Barroco
tiver em conta o período, consensualizado, entre o final do século XVI até
finais do século XVIII, poderemos constatar que certas obras estão mais
próximas do classicismo renascentista e outras mais afastadas dele consoante os
centros artísticos de onde provêm. Assim, podemos caracterizar, em termos
gerais, a arte Barroca como uma tentativa de conciliar a realidade terrena com
o mundo transcendental em obras dramáticas e exuberantes: a principal
característica. Influenciados pela tradição clássica da arte renascentista, os
artistas barrocos mostravam maior dinamismo, contrastes mais fortes, maior
dramaticidade, exuberância e realismo na abordagem de temas idênticos. Enquanto
no Renascimento as qualidades de moderação, economia formal, austeridade,
equilíbrio e harmonia eram as mais procuradas, no Barroco a tendência decorativa,
contrastes mais fortes, dinamismo, dramaticidade, teatralidade da acção, o
gosto pela opulência dos materiais e a demanda de uma vida espiritual denotam
uma tensão entre a arte Barroca e a vida religiosa. O Barroco é, por
excelência, o estilo artístico da Contra-Reforma. O BARROCO é a arte do
exagero.
Gian Lorenzo BERNINI Êxtase de St Teresa, 1625 Capela Cornaro, Igreja de Santa Maria della Vittoria, Roma |
Numa época onde a maior
parte da população era iletrada, a arte católica transforma-se em um
complemento altamente persuasivo para o catecismo verbal. Enquanto os
protestantes repudiavam o luxo dos templos e o uso de imagens nos cultos, o
clero católico procurava transformar a liturgia religiosa num verdadeiro
espectáculo sensorial, capaz de cooptar mais seguidores. Todas as artes
concorriam para a criação de uma “obra total”, unindo arquitectura, música,
pintura, escultura e até mesmo o teatro num rico repertório simbólico e
dramático, que se destinava a emocionar e incrementar a devoção.
Esta relação
entre a imagem e a palavra foi objecto de maior acuidade e insistência nos
séculos XVI e XVII onde a Poesia não podia deixar de estar presente dando forma
à ut pictura poesis[1],
que aconselhava
os poetas a inspirarem-se nas pinturas, mostrando que a arte apenas atinge a
sua plenitude guardando contacto com o visível. O poeta, que especula como o
filósofo, pretende igualmente desenvolver a sua capacidade sensual de “pintar”,
numa crescente preocupação de dar aos textos escritos um carácter pictórico,
onde o discurso produz imagens a partir de representações plásticas.
«Os
sábios são pintores; pintura é poesia; pintura é história; e enfim toda a
composição de homens cultos (qualunque componimenti de’dotti) é pintura.»
Ludovico Dolce[2]
No fim do século XVI e principalmente do século XVII, as soluções
plásticas no nosso país não atingiram nem o fascínio sensorial, nem a carga
metafísica dos grandes mestres maneiristas de Florença e de Roma ou mesmo de
Fontainebleau e de Praga, devido aos valores culturais de um maneirismo sui
generis de decantada ideologia tridentina. Os teólogos corrigiram determinados
temas, anteriormente representados, transmitindo-lhes um programa mais de
acordo com os dogmas contra-reformistas e com a pretendida tarefa pedagógica de
inflamar as almas dos crentes com cenas de milagres, de exaltação mística e de
martírios numa atitude semelhante à ut pictura poesis. A “pintura” desenvolvida pela Retórica da
Igreja Contra-reformista instigava o contemplador a ouvir tal como o orador
devia fazer a sua audiência ver.
As “constituições sinodais” dos bispados, bastante divulgadas após o
Concílio de Trento, normalizavam por toda a parte a representação artística,
«precavendo os artistas e quem lhes encomendava obras contra as “imagens de formosura dissoluta” ou que “dêem
ao povo ocasião de erro, ou escândalo”»[3].
Adoptando como dogma iconográfico o “corpo plangente”: estavam lançados
os alicerces da “arte barroca”.
Mas nem sempre estas características são bem evidentes ou se apresentam
todas ao mesmo tempo. O BARROCO foi um movimento artístico internacional
apresentando características distintas consoante a sua proveniência e local
onde se desenvolveu. Além disso, na sequência maneirista cada artista empregava
tendências específicas – as prescrições eram muito mais temáticas e morais do
que técnicas.
[1]
Os Poemas constituíram a manifestação mais tangível da doutrina da ut
pictura poesis em Portugal. Como se sabe, a Arte Poética de Horácio
fundamentara no renascimento a teoria da equivalência entre a pintura e poesia.
[2]
Nuno Saldanha, Poéticas da Imagem, Lisboa: Caminho, 1995. p. 39.
[3]
Flávio Gonçalves, A legislação sinodal portuguesa da Contra-Reforma e a Arte
Religiosa, in Comércio do Porto, Fevereiro, 1960.